Em busca do arcabouço teórico

EM BUSCA DO ARCABOUÇO TEÓRICO

 

Pedro Melo

 

 

            Para FIORIN (2007:7), a análise, a descrição e a explicação dos fatos lingüísticos não podem ser feitas de maneira empírica, mas devem “pressupor reflexão crítica bem fundamentada teoricamente”. Quando nos reportamos ao objeto de nosso estudo, conforme o título acima, é imprescindível nos munirmos de um “arcabouço” teórico, termo escolhido com muita propriedade: a grande arca, o cofre onde se abriga a base epistemológica, ou se adotarmos o sentido mais atual, o alicerce de nossa construção científica. Se queremos construir este saber, em nosso caso específico, um que contemple a interface história/lingüística, necessitamos de um “esqueleto”, de uma sustentação teórica que nos ampare e nos permita compreender e analisar a história das idéias lingüísticas.

            Ensinam-nos FÁVERO e MOLINA[1] (2006:18) que esta interdisciplinaridade é recente, i.e., que nem sempre os estudos lingüísticos fizeram uso do conhecimento histórico a fim de que houvesse um entrelaçamento entre o saber histórico e o lingüístico, imbricados tal qual fossem uma única vertente.

Entretanto, esse entrelaçamento nos conduz a algumas reflexões pertinentes, conforme exaradas pelas autoras: “Que saber é esse?” “Quem é o responsável pelas escolhas dos fatos que constituíram nosso conhecimento sobre o passado?”[2]

Neste aspecto, as autoras examinam o papel da “École des Annales”, nome que advém da “Annales d’Histoire Économique et Sociale”, revista criada em 1929, na Universidade de Estrasburgo, na França, que pensava uma “nova história”; segundo suas palavras (FÁVERO & MOLINA, op. cit.), uma história que contemple, concomitantemente, a economia, a sociedade e a cultura, enfim uma história multidisciplinar. É ela, a “École des Annales”, que amplia os horizontes, através de seus pensadores: FEBVRE, BLOCH e BRAUDEL.

Foram os dois primeiros pensadores que, diferente da idéia de uma história meramente factural, pensaram na história como uma “história-ciência”, “a ciência do homem, da mudança perpétua das sociedades humanas”, a “ciência dos tempos no homem”[3]. Braudel, já na segunda geração, situa a história em “três escalões[4]: na superfície – acontecimentos num tempo curto –, na meia encosta – conjuntural e mais lenta –  e na profundidade – de longo alcance.

Observa-se que a terceira geração da “École des Annales” (Le Goff, Le Roy e Chartier) sofreu uma forte influência da corrente estruturalista, “fazendo uso da metáfora do porão ao sótão, conforme nos aponta a autora: “Modifica suas preocupações, centrando-se nas mentalidades, nas vidas cotidianas, firmando-se em representações e interpretações, ampliando sensivelmente o conceito de fonte, utilizando-se de vários tipos delas: documentos psicológicos, arqueológicos, orais, religiosos, fazendo uma sábia e benfazeja mistura”. [5]

Caminhando no sentido multidisciplinar, conforme supracitado, a “École des Annales” entrelaçou-se a outras áreas do conhecimento, lançando as bases do que, num primeiro momento, foi chamado de “psico-história” e, posteriormente, “história das mentalidades”.

Quaisquer distinções entre os três momentos, todavia, adquirem uma importância secundária, quando nos damos conta da contribuição inequívoca e comum aos três momentos: a metodologia, uma vez que é a metodologia empregada que irá imprimir êxito à investigação científica. É a Lingüística, a Ciência da Linguagem, que muito se beneficiaria das contribuições dos pensadores dos “Annales”, surgindo esta área tão profícua aos estudiosos da Linguagem, que é a “História das Idéias Lingüísticas”.

Conforme preconizam as autoras, podemos estudar qualquer saber fundado na ciência lingüística e, numa colocação muito feliz, “recolher os fios, esticá-los e atá-los às diferentes áreas”. Entretanto não queremos resvalar no clichê de que “tudo são flores”. Ao pesquisador a estrada é árdua e muitas são as dificuldades pelo caminho.

O primeiro problema apontado é a “exaustividade”. Não que os assuntos da linguagem tenham sido investigados até a exaustão, não se trata desse modo de ver. Antes, há um horizonte de retrospecção e de projeção, e ambos são infinitos, cabendo ao autor selecionar com critério o que lhe for pertinente. Daí a metáfora dos “fios” a que aludimos anteriormente.

Essa “exaustividade” nos remete a outro problema: a busca das fontes. A busca das fontes pode ser uma “empreitada perigosa” pela dificuldade de acesso a documentações ou mesmo à ausência delas! Em algumas áreas do conhecimento acontece o extremo oposto: o excesso de informações e a dificuldade de organizá-las proficuamente. Não é, evidentemente, o nosso caso: se quisermos nos debruçar sobre o trabalho de João Ribeiro gramático e estudioso, passaríamos, exacerbando o drama bíblico de Jacó, sete vidas para nos dedicarmos a tal tarefa, dada a escassez de material e a dificuldade de tal empreitada!

Por fim, “o estudo do documento” também é um grande desafio: interpretá-lo adequadamente, como fruto de uma época específica, “no seio em que foi criado. É forte a tentação de interpretar o passado com o olhar do presente. Não podemos relegar a um plano secundário, ou mesmo ignorar, a intransponível distância entre nós e o pretérito. Como recuperar e analisar o contexto, procurando recriar o momento, vendo o todo, “a totalidade do social”?

            O olhar atento do lingüista à própria especialidade deve se somar a um olhar de historiador. Estabelecer o diálogo entre o passado e o presente, estabelecer hipóteses para o futuro e seguir em frente. Alea jacta est.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

CUNHA, A.G.

Dicionário etimológico da Língua Portuguesa. 1997. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira.

 

FÁVERO, L.L. & MOLINA, M.A.G.

As Concepções Lingüísticas no Século XIX – A Gramática no Brasil. 2006. São Paulo. Editora Lucerna

 

FIORIN, J.L.

            Introdução à Lingüística, volume I – Objetos Teóricos. 2007. São Paulo. Ed. Contexto

 

 

 


[1] FÁVERO, L.L. & MOLINA, M.A.G. – vide bibliografia ao final deste trabalho.

[2] p 19, § 2

[3] Lucien Febvre e Marc Bloch, respectivamente.

[4] Palavras das autoras

[5] FÁVERO & MOLINA, op. cit., p 21 § 4

Sobre professorpedromelo1977

Professor de Português e Inglês do Instituto Educacional Ateniense, em São Paulo (SP).
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